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Contratos de pedágios da BR-386 podem durar até 60 anos

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Vale do Taquari – Pagar R$ 15,90 em pedágios para ir de carro de Lajeado a Porto Alegre pesa no seu bolso? E se o custo for ainda maior – algo em torno de R$ 18,50? Considerando ida e volta, o trajeto poderia custar não os R$ 31,80 previstos atualmente pela tabela divulgada pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), mas R$ 37, apenas em taxas para circular por pouco mais de 80 quilômetros na rodovia.

Faltando uma semana para a terceira audiência pública que discutirá o futuro da via federal que corta a região, o jornal O Informativo do Vale publica uma série de reportagens sobre o que o Vale do Taquari pensa em relação ao pedagiamento. Diante da possibilidade de instalação de quatro praças de pedágio espalhadas por 200 quilômetros da BR-386, lideranças regionais falam sobre os problemas relativos ao edital e os benefícios que a concessão poderia trazer – e acredite, as notícias são alarmantes.

A reportagem analisou o contrato proposto pela ANTT para ser firmado com a empresa vencedora do leilão, que deve conceder por 30 anos os direitos de exploração das BRs 386, 290 e 101. E pelo menos três pontos merecem atenção: o valor que de fato será cobrado; a não obrigatoriedade de realizar certas obras a partir dos últimos anos de concessão; e a possibilidade de prorrogação do contrato por mais 30 anos.

Impasse

Desde que as discussões em torno do pedagiamento da BR-386 tiveram início, a ANTT tem apresentado uma tabela de valores estimada no fluxo médio de veículos que circulavam pela rodovia em 2015. Fazenda Vilanova, por exemplo, teria um teto de R$ 9,70 para veículos de passeio com dois eixos.

O valor é alvo de crítica pelas lideranças regionais, que consideram a cifra muito elevada e argumentam que o tráfego médio estimado para o terceiro ano de exploração (cerca de 18 mil veículos por dia) já possa ter sido atingido. A ANTT contrapõe afirmando que o valor do edital é o teto, mas que as empresas que concorrerem podem propor cifras menores. Para a região, o temor é de que haja apenas uma concorrente – e neste caso, o valor cobrado poderia ficar muito próximo (ou igual) ao teto estipulado.

A preocupação, porém, é ainda maior: caso o contrato seja assinado como está, sem que os pedidos da região sejam atendidos, o custo poderá ser ainda mais elevado. O contrato prevê um reajuste na tarifa já para o primeiro dia de cobrança. Se o pedágio entrar em funcionamento ainda este ano, a tarifa limite de Fazenda Vilanova, por exemplo, poderia subir de R$ 9,70 para R$ 11,30 para veículos de passeio.

Isenção

Além do reajuste contratual, a empresa vencedora da licitação pode se isentar do custeio de algumas das obras previstas. O contrato e o Plano de Exploração da Rodovia preveem algumas melhorias de via condicionadas ao fluxo de veículos. Isso significa que, quando a BR-386, por exemplo, tiver um aumento de fluxo em certos locais e chegar a um tráfego médio pré-definido em contrato, a concessionária tem 12 meses para realizar determinada obra.

O problema é que, se o fluxo médio de determinado trecho for atingido a partir do 25º de concessão – ou seja, faltando 5 anos ou menos para o fim do contrato -, as obras referentes àquele ponto e condicionadas ao volume de tráfego não precisarão ser executadas pela empresa vencedora. O contrato, porém, não especifica se a União ficará responsável pelas melhorias ou se os locais ficarão sem as obras necessárias até o fim do período de concessão.

Como se tudo isso não fosse alarmante, uma cláusula discreta quase passa batida no documento: o contrato de concessão de 30 anos pode ser prorrogado por mais três décadas, caso o Poder Público julgue necessário.

A prorrogação pode ocorrer caso haja interesse público para isso, caso a União exija investimentos extras por parte da empresa ou para que a concessionária possa se reequilibrar financeiramente (caso as estimativas de fluxo não se concretizem e os custos de manutenção causem prejuízos à concessionária, por exemplo).

“Não é justo só a gente pagar essa conta”

Presidente do Conselho de Desenvolvimento do Vale do Taquari (Codevat) – entidade que tem encabeçado a discussão sobre o pedagiamento da BR-386 -, Cintia Agostini explica que as lideranças regionais não são contra o pedágio, mas que descartam o projeto de concessão nos termos atuais.

“Não tem cabimento poder prorrogar por mais 30 anos. A gente tem um histórico de contratos que alegam precisar de reequilíbrio econômico. Imagina a empresa poder usar esse argumento pra prorrogar o prazo de exploração da rodovia. Não podemos deixar isso no contrato”, defende.

Segundo ela, também não é admissível a possibilidade de a empresa ser liberada da realização de certas obras. “Digo que não tem o fluxo esperado e estou isento das melhorias? O fluxo da BR-386 é justamente a base de todos os nossos questionamentos. Estamos questionando justamente o volume de tráfego, o cálculo usado para a circulação média. Porque os valores das praças são calculados de forma separada por trecho, mas o fluxo é uma média de todo o tráfego na rodovia. São cláusulas que não podemos admitir.”

Na próxima quinta-feira (16), das 14h às 18h, esses e outros pontos serão debatidos no Teatro da Univates, em audiência pública com a ANTT. As lideranças regionais estão tentando conseguir a presença do Ministro dos Transportes, Maurício Quintella Lessa, de representantes do Departamento Nacional de Infraestrutura Terrestre (Dnit) e da bancada gaúcha na Câmara dos Deputados. No dia 17, sexta-feira, também deverá ocorrer uma audiência em Soledade – região que também será afetada diretamente pelo pedagiamento.

“Não vamos aceitar o contrato oferecido hoje. Pra nós, é consenso que é preciso haver participação do governo e da sociedade. Não é justo só a gente pagar essa conta”, reforça Cíntia. “Nem todas as obras necessárias estão previstas, e as melhorias devem ser executadas em menor tempo do que o que está posto hoje”, acrescenta.

“Claro que ninguém quer pagar mais pelo direito de ir e vir, mas enquanto sociedade, estamos dispostos a entrar com uma parcela para garantir melhorias na rodovia, mais segurança no trânsito. Mas não da forma como está posto. Se não tiver uma abertura para debate, nenhuma entidade do Vale vai querer ir adiante nesta discussão.”

A gente explica

– No início do ano, o Ministério dos Transportes, por meio da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), divulgou edital para concessão de 467 quilômetros de quatro rodovias federais no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina;
– Se o contrato for aprovado, serão concedidos 95,95 km da BR-101, do km 455,90 (SC) até o entroncamento com a BR-290 (RS); 98 km da BR-290, do entroncamento com a BR-101, em Osório, até o final da ponte sobre o Rio Guaíba; 260,30 km da BR-386, do entroncamento com a BR-285/377 (direção a Passo Fundo) até o entroncamento com a BR-448; e 12,37 km da BR-448, do entroncamento com a BR-386 e o entroncamento com a BR-116/290, em Porto Alegre;
– Das sete praças de pedágio previstas para os trechos concedidos, quatro afetam diretamente a logística do Vale do Taquari, todas na extensão da BR-386: a praça de Tio Hugo, no km 226; a de Soledade, no km 260; a de Fazenda Vilanova, no km 370; e a de Montenegro, no km 426 – são quatro praças numa extensão de 200 quilômetros;
– O Vale do Taquari já é cercado por outras quatro praças, em rodovias estaduais: em Venâncio Aires, no km 86 da RSC-287; em Cruzeiro do Sul, no km 18 da RST-453; em Encantado, no km 93 da ERS-130; e em Boa Vista do Sul, no km 78 da RSC-453;
– Em cada uma das quatro praças já instaladas (nas rodovias estaduais), o valor para veículos de passeio com dois eixos é de R$ R$ 5,20. Nos pedágios em discussão, o teto para veículos de passeio com dois eixos seria de R$ 7,60 em Tio Hugo, R$ 8,40 em Soledade, R$ 9,70 em Fazenda Vilanova e R$ 6,20 em Montenegro;
– Apesar de esses valores estarem sendo apresentados pela ANTT, o contrato prevê um reajuste para o primeiro dia de cobrança de pedágio. Se as praças começassem hoje a funcionar, o teto para as tarifas seria de R$ 8,80 para Tio Hugo, R$ 9,80 para Soledade, R$ 11,30 para Fazenda Vilanova e R$ 7,20 para Montenegro (valor ajustados a partir de fevereiro de 2017). Os valores apresentados anteriormente correspondem ao levantamento feito em março de 2015;
– Isso significa que um deslocamento de Taquari, por exemplo, até Carazinho, poderá ter um custo extra de R$ 29,90 apenas em pedágios – soma das praças de Tio Hugo, Soledade e Fazenda Vilanova
– Para quem mora na parte alta do Vale e precisa se deslocar, por exemplo, de Muçum a Porto Alegre, o custo poderá ser de R$ 23,70 apenas com a tarifa – na soma do valor atual do pedágio de Encantado e do teto previsto para as praças de Fazenda Vilanova e Montenegro.

“Este contrato não tem condições de ser aceito”

Consultor de Sistemas de Transporte e ex-ministro dos Transportes, Cloraldino Soares Severo tem se dedicado a analisar toda a documentação que baliza a possível concessão da BR-386 e das outras três rodovias federais que fazem parte do pacote – e para ele, todas as vias integrarem um único sistema a ser concedido é um erro.

“Estou estudando a fundo o contrato, o plano de concessão e todos os estudos realizados. São mais de duas mil páginas. O documento final será entregue até o fim de março. O que posso já dizer é que este contrato não tem condições de ser aceito”, define.

“São duas concessões diferentes, e uma concessão não tem nada a ver com a outra. Uma coisa é a BR-386, outra são a 101 e a 290. São rotas completamente diferentes e com finalidades diferentes. É falso dizer que elas compõem um mesmo sistema rodoviário. São origens e destinos diferentes. Forçar um subsídio cruzado é completamente ilegal”, alerta.

Além da necessidade de haver duas concessões separadas, Severo defende também que é inadmissível a possibilidade de prorrogar o contrato por mais 30 anos. “Junto com isso, tem uma série de outras pegadinhas. Tem uma série de coisas que são necessárias e não estão no contrato. Os estudos apresentados não são de coisas que interessam a nós, usuários. Apenas dão garantias aos riscos deles”, critica.

Para ele, o problema não é pedagiar a rodovia, mas as condições apresentadas até o momento para isso. “O contrato é muito bom para a concessionária, mas ruim para quem vai pagar a conta. O poder concedente, que seria a União, e os empresários, se juntaram para elaborar essa proposta”, explica.

“O problema é que o poder concedente não responde por nada. Todos os aditivos que vierem, os aumentos para compensar os riscos,, serão pagos por nós. Mas se a ANTT gastou dois anos discutindo com eles esse projeto, pode gastar mais um debatendo com a sociedade, que será impactada por tudo isso.”

Severo acredita que, mesmo que a União passe por cima da vontade da sociedade, o projeto não será aprovado pelo Tribunal de Contas da União (TCU), e que o Ministério Público (MP) logo deve interferir para investigar as possíveis irregularidades do documento.

“Se for ver o fluxo de caixa que apresentaram e quanto está previsto para tributos ao governo, verá que é uma quantia fantástica. São muitos problemas. A questão é muito mais ampla do que se imagina, e os riscos para a sociedade são imensos. Não tenho dúvidas de que o contrato é muito bem feito, mas ele atende bem aos interesses da concessionária, não da população.”

Fonte: Rodrigo Nascimento e Renan Silva- O Informativo do Vale

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