Para avançar e ganhar destaque no mercado, o setor alimentício da região ainda enfrenta uma série de desafios. É o que apontam líderes regionais e especialistas do ramo que participaram da última edição do Pensar o Vale. Realizado na Docile Alimentos, nesta semana, o debate promovido pelo A Hora possibilitou que se definissem cinco grandes frentes para que o Vale dos Alimentos se consolide.
São elas: a integração dos empresários, produtores e entidades; a criação de um selo de origem, uma agência de desenvolvimento, um conceito gastronômico; e a introdução de novas tecnologias, que permitam a inovação. Desafios não só para a indústria, responsável por empregar mais de 17 mil pessoas, mas também para a produção primária, que chega a manter 80% das famílias em alguns municípios do Vale.
Participaram do debate a presidente do Conselho de Desenvolvimento do Vale do Taquari (Codevat) e gerente da Inovates, Cintia Agostini; o presidente da Câmara de Indústria e Comércio (CIC), Ito Lanius; o presidente da 1ª Jornada dos Alimentos, Gilberto Soares; o sociólogo e ex-secretário estadual de Ciência e Tecnologia, Renato de Oliveira; e um dos diretores da Docile, Ricardo Heineck.
De forma conjunta, em direções semelhantes, eles firmaram um diálogo, mediado pelo diretor de Redação do A Hora Fernando Weiss, e apontaram caminhos para melhorar o que já é feito por aqui, mantendo as raízes cooperativas, e associativistas, bem como a qualidade dos produtos.
Parceria entre empresariado
A falta de diálogo entre os entes do setor alimentício foi um dos desafios apontados pelos debatedores. Preocupados em manter o próprio negócio, os empresários estariam se esquecendo de olhar para o lado, planejar em conjunto e firmar parcerias locais.
“Não avançamos sem um ambiente adequado de discussão. As empresas precisam perder o medo de conversar. Precisamos expandir em conhecimento, trocar informações, começar a trabalhar em conjunto com a academia, Univates, Unisc. Temos a obrigação de sermos líderes”, aponta Soares.
“As partes estão organizadas, mas falta o todo se articular para mobilizar a força da região. Está tudo pronto, precisamos ligar a máquina, e articular com a indústria. O que podemos fazer para sermos diferentes de outros polos produtores?”, questiona Lanius.
Heineck também vê possibilidades nesse caminho, mas admite que o empresariado está se olhando pouco. “Uma justificativa talvez seria o enorme esforço que fazemos para nos mantermos em pé. Mas tudo é uma questão de prioridade, se quisermos, dá tempo. Precisamos perceber isso. Porque as ações em grupo são muito mais fortes que as individuais.”
Ele ressalta que, apesar de ser grande, a empresa acredita que precisa se integrar aos demais, afinal, está inserida num contexto regional, que interfere em suas ações. “Pode até parecer meio político, mas se é importante para o Vale, é importante para nós, pois vamos crescer também. A medida que ocorrer essa troca de informação, experiências, troca de contatos, todos ganham”, considera.
Alimento que agrada ao paladar e à saúde
A integração regional seria a propulsora de avanços regionais, em diferentes questões, avaliam os debatedores. Lanius acredita que trabalhar a junção de produtos hoje comercializados em diferentes feiras, como o leite, o suíno e o frango, seria uma alternativa para alavancar a cadeia. “A Agroind é um ensaio do que pode ser feito.”
Nesse contexto, além do produto, por si só, poderia ser agregado o fator gastronômico, aponta Oliveira. Ele percebe que falta uma identidade na comida feita no Vale, e também no estado. “É uma alternativa para chamar a atenção das pessoas. Uma maneira de induzir a demanda, senão sempre estaremos correndo atrás do consumo”, alerta.
Inovação aliada à tecnologia
Oliveira aponta que hoje o setor de alimentos sofre um processo de transformação no mundo. A produção standart, maioria no Brasil, perde espaço para produtos que mantenham a maior quantidade possível das características naturais dos alimentos, assim como aqueles que tenham benefícios funcionais em grande escala.
Mudança ligada à modificação de hábitos de consumo, voltados cada vez mais à saúde, e também ao retorno das populações ao campo, o que já ocorre na Europa.“O mercado exige essas adaptações. Quer qualidade, feita com sustentabilidade. O que demanda o emprego de alta tecnologia para dominar essas propriedades.”
Na região, movimentos são feitos na busca por inovação. A Docile é um exemplo. “Quando vamos entrar num nicho novo, aprendemos, nos inteiramos primeiro. Mas o segundo passo sempre é O que vamos fazer de diferente? Isso sempre requer investimento em tecnologia, em pessoal, equipamentos. Ser completamente inovador é totalmente complicado. Mas quanto mais cuidado o produto necessita, maior o diferencial criado.”
Porém, no setor como um todo, a adaptação a esses novos mercados ainda é um processo longo. Abrir o olhar para outras frentes e novas perspectivas seria um avanço, aponta Cintia. “Ainda temos uma indústria muito conservadora. Sabemos produzir muito bem, o frango, o suíno, o leite, mas como nos diferenciar e ser reconhecidos em outros mercados? Precisamos inovar, e parar de ser reconhecidos como vendedores de commodities.”
A Inovates, gerenciada por ela, pode ser uma parceira das empresas nessa empreitada. A parte laboratorial alimentícia é a melhor do RS, afirma. “Precisa ser melhor aproveitada.” Mas Lanius admite que a CIC ainda não é proativa nesse sentido, acaba remediando problemas, e buscando poucas novidades.
Selo de origem: Vale dos Alimentos
Estabelecer uma marca da região, que permita ser reconhecida, é um dos desafios mais complexos. Isso porque exige, além da pesquisa tecnológica, a definição de modelos de controle, e padrões que nem sequer foram discutidos de modo regional. Em seu plano estratégico, o Codevat apresentará alguns projetos que possam dar início a esse processo.
Porém, esse passo depende não só de planos, mas de execução. “Precisamos de políticas públicas, de apoio, para que isso seja implementado. É necessário fazer o controle das cadeias, principalmente do leite, e potencializar as agroindústrias.”
Soares cita como exemplo o Vale dos Vinhedos, que em cerca de 30 anos ganhou reconhecimento internacional por meio de sua produção local. “Eles se organizaram, trabalharam para melhorar a qualidade, e Garibaldi hoje tem um dos melhores espumantes.”
O mesmo caso ocorre no Vale dos Calçados. “Eles definiram o que é um bom sapato e, por meio da pesquisa tecnológica, conseguiram ser reconhecidos pelo conforto. Será que não é isso que falta para o alimento no Vale? Que o próprio consumidor associe o alimento da nossa região a alguma coisa?”, questiona Oliveira.